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Medo a Caminho

Rui Catalão

 

A minha geração entrou na idade adulta com a confiança e o optimismo de uma série de acontecimentos que tiveram tanto de simbólico como de político, social e económico: a abertura à Europa, a entrada na CEE, o derrubar do muro que separava Berlim em dois, o fim da cortina de ferro.
Entretanto, no meio de percalços e conflitos vários, vivemos num mundo onde, dizem-nos as estatísticas, nunca houve uma relação tão dinâmica entre povos e territórios, nunca houve tantas pessoas a viverem acima do limiar de pobreza, nunca fomos tão saudáveis, com tanta esperança de vida, a viver em segurança, e com tão poucos conflitos.
Mas os factos parecem esbarrar contra outro muro: progressivamente, como um vírus que se alastra, as pessoas não se sentem mais seguras. Temem pelo futuro, temem pela guerra, temem pela sua vida, pela sua segurança, pelo seu trabalho, pelos seus padrões de vida, pelo ambiente. Temem pela própria saúde mental: é o medo a devorá-las sem pressa. Têm medo e querem erguer novos muros que as protejam do que temem. Têm medo e querem apagar, ou mesmo destruir, tudo o que nelas mantém esse medo bem desperto.
Estranho paradoxo em que as estatísticas nos dizem que nunca estivemos tão bem, e as pessoas sentem que nunca estiveram (ou caminham para) tão mal.
Há uma forma de explicar isto: nunca fomos bombardeados, e de forma tão rápida, com tanta informação. Sabemos mais hoje sobre o que se passa do outro lado do mundo do que há duas ou três gerações sabíamos sobre o que se passava numa cidade vizinha. Onde em outros tempos temíamos o desconhecido, hoje tememos pelo tanto que conhecemos.
Com “Medo a caminho” o que me interessa é outra possibilidade: será que o nosso medo é também uma forma de avançar, cheios de medo? Ou será antes que, do que mais temos medo é de nós próprios? E que a loucura colectiva (enquanto sinónimo de medo à solta) é a última fronteira em que combatemos no outro um inimigo que é o reflexo do nosso medo?
E será que podemos aprender a sorrir e a conviver com medos reais, tal como aprendemos a rir dos medos que se revelaram infundados?

 

Criação e interpretação: Rui Catalão e Luis Leonardo Mucauro
Produção: [PI] Produções Independentes
Produções Independentes é uma estrutura financiada pelo Ministério da Cultura / Direção Geral das Artes

 

Edição:

GENTE DO VALE:

Gente do Vale reúne três narrativas contadas na primeira pessoa por habitantes do Vale da Amoreira. Onde ser português é a fantasia de quem vive em África, e ser africano é a fantasia que resulta de habitar em Portugal. Os narradores Luís Mucauro, Adriano Diouf e Joãozinho da Costa - que interpretaram a sua própria experiência pessoal em palco - são os protagonistas destas histórias de formação. Eles narram episódios das suas vidas, as suas circunstâncias, e terminam no momento em que a aprendizagem acumulada dá origem à sua individualidade.
 
Textos: Rui Catalão (a partir de entrevistas a Luís Mucauro, Adriano Diouf e Joãozinho da Costa)
Fotografias: Patrícia Almeida
Tradução: Ana Josefa Cardoso
Concepção gráfica: Sofia Gonçalves
Co-edição Município da Moita - GHOST Editions

 

http://ghost.pt/gentedovale.html

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