PENÉLOPE (2020)

Tiago Vieira (2018-2021)

Mais uma vez regresso a Penélope, como se fosse impossível escapar de uma grande Amor, de uma obsessão que começou na juventude a observar prostitutas com mais de 50 anos na Praça da Figueira mas que continua a contaminar a idade adulta, uma obsessão que acompanha a escrita em noites de insónia, que me fez redescobrir uma relação intensa entre a espera, o amor, a resistência, a revolução. A Penélope que ultrapassa o mito e que é, tal como acontece nas minhas encenações, uma acumulação de conceitos, músicas, restos de filmes, e neste novo espectáculo de fantasmas, Penélope é um conjunto de ecos, de vozes distorcidas vindas da infância, dos mortos transformados em números, esquecidos em valas comuns, enterrados nus em tempos de peste, é o corpo solitário atravessar o Bairro Alto vazio, sem festa, são os corpos que desejam tocar e ser tocados, Penélope é o deserto e o escândalo de Rimbaud e Verlaine, é o amor de um quotidiano reabilitado de Cesariny e o seu amor por Cruzeiro Seixas que este ano completa 100 anos, é a linguagem crua do amor obsceno de Henry Miller e Anais Nin e também é o amor obsessivo de Camille Claudel. Penélope é tudo o que disse e muito mais, sempre uma metamorfose e nunca uma explicação, é uma poética cinematográfica, uma poética de flores que nascem e morrem, que acompanham os mortos no último momento, é o desejo de dançar um slow, é um Apocalipse quotidiano, um ampliar de acções quotidianas até alcançar a sua monstruosidade, é no fundo um pavor do abandono, é dizer o que magoa, são estado de inquietação, ridículos em quartos de hotéis, camas e cães. Penélope é isto e muito mais, porque aquilo que procuro nos espectáculos é o ritmo das obsessões, é o real desejo de tentar alcançar a voz subterrânea das coisas e dos seres, o lado anterior aos sentidos, sem metáforas resta estados de energia e de velocidades, sobreposições e a poesia paisagística, de corpos exaustos, em que a palavra e o corpo coreográfico procura com um mapa possível encontrar esse lugar-pátria admirável imaginado por Rimbaud antes de desistir: O AMOR REINVENTADO.

 

Direcção, cenografia, coreografia, texto, dramaturgia, figurinos e interprete: Tiago Vieira
Intérpretes: Tiago Vieira, Nuno Pinheiro, Luis Coelho, Crista Alfaiate
Apoio: ORG.I.A e Fundação GDA
Coprodução: FIAR